terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Botão Barbearia[0.331/2007]
Salgado, o mar pirríssimo

Mar Salgado
Filipe Nunes Vicente (FNV) é um dos grandes pensadores da luso-blogos-fera.

Um marujo de muitas marés e de grande arte no manejo do astrolábio. Dezenas de textos de excelente textura, dezenas de texturas de excelentes raciocínios.

Lê-se sempre, todos os dias, neste barbeiro e nunca é tempo perdido.

Para memória ficará "NESTAS CONDIÇÕES":

"Nestas condições", na linguagem da esquerda revolucionária – que respeita tanto a vontade do povo como o cão respeita a pulga – significa que em breve existirão outras condições.
LNT
Rastos:
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1 comentário:

Anónimo disse...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007
Democracia confirmada

1. A proposta de reforma constitucional de Chávez perdeu de 50,7% a 49,3% dos votos válidos, segundo os últimos números a que tive acesso. Os dois blocos receberam pouco mais de 4 milhões de votos, a oposição quase 4,5 milhões,
Na última eleição presidencial, a oposição teve quase o mesmo, 4,3 milhões, enquanto Chávez bamburrava com 7 milhões. Votaram, portanto, desta vez, cerca de 3 milhões a menos, fazendo a abstenção saltar de 25% para 44%. A abstenção verificou-se principalmente entre os mais pobres, onde Chávez alcança sempre seus melhores percentuais.

Ninguém pode afirmar com certeza como votariam esses 3 milhões, antes que um boa e honesta pesquisa o investigue, mas a hipótese de que o Sim foi derrotado sobretudo pela abstenção parece razoável. Com a condição, claro, de que se acrescente o reconhecimento do próprio Chávez de que o governo bolivariano e seu esquema político falharam na mobilização.

2. O resultado da eleição desmoraliza definitivamente a propaganda imperialista, ecoada pelos midiocratas e midiotas nacionais, de que a Venezuela “caminha para a ditadura” ou “já é uma ditadura”.

É a primeira ditadura do mundo em que o governo, depois de vencer oito eleições consecutivas em nove anos — incluindo duas eleições presidenciais, uma constituinte e um plebiscito revocatório — aprova emendas constitucionais livremente debatidas no Congresso, submete-as a um referendo atacado dia e noite pela imprensa transnacional made in USA, perde por pouco mais de 1 ponto percentual, e a única conseqüência é que o presidente faz um pronunciamento, sem convocação de rede nacional, para cumprimentar a oposição pela vitória e prometer que continuará lutando por suas idéias.

3. O voto na Venezuela não é obrigatório. Como nos EUA também não é, os colonizados não reclamam dessa característica da democracia venezuelana. Mas é argumentável que o sistema brasileiro é melhor. Se o serviço militar é obrigatório, se pagar tributos também é, que há de errado em exigir do cidadão que compareça às urnas nem que seja para anular o voto ou votar em branco?

4. A TV brasileira fez uma cobertura pífia do referendo venezuelano. Mesmo os canais exclusivos de notícia (Globo News, Bandnews) pareciam estranhamente desinteressados, provavelmente porque as pesquisas, inclusive as de boca-de-urna, supunham a vitória de Chávez.

O jeito foi recorrer à CNN em espanhol, que não é mais pró-ianque que as emissoras brasileiras. Parte da cobertura da CNN foi fornecida pelo Globovisión venezuelana, de modo que a noite toda, até às duas da manhã de segunda-feira, ouvimos declarações de líderes oposicionistas, e somente deles. Às duas, porém, quem ainda estava acordado pôde ouvir um belo discurso de 1 hora do presidente Chávez, tranqüilo e bem-humorado, dizendo que oferece seu projeto de reformas “à história”, mas não à história de daqui a 100 anos, mas sim ao futuro próximo.

5. No começo da noite, a CNN informou que os dois blocos haviam concordado em que o primeiro boletim do Poder Eleitoral só seria divulgado quando se alcançassem 90% dos votos apurados.

Quando se chegou a 83%, a Globovisión transmitiu pela CNN iradas declarações de líderes oposicionistas, “exigindo” os boletins, alguns acusando diretamente o Poder Eleitoral de conluio com o Governo para esconder a vitória do Não. Um representante da OEA — um organismo ainda menos confiável que a ONU —, faccioso como o diabo, praticamente endossou a “denúncia”, falando ao vivo com os estúdios da CNN.

6. Quando a presidente do Poder Eleitoral finalmente apareceu, foi um contraste chocante. Tranqüila, sorridente, nem se referiu às acusações. Anunciou os resultados, disse que eram irreversíveis (ainda considerando o que faltava apurar), falou de paz, concórdia e democracia, sugeriu que os partidários do Não celebrassem com alegria, e que os perdedores se recolhessem às suas casas. Foi aplaudida por todos. Não há dúvida. É uma ditadura.

7. As pesquisas davam a vitória ao Sim, que perdeu. Imagine se fosse ao contrário. Manchetes do mundo inteiro gritariam que a “ditadura” chavista havia fraudado a vontade do povo.

8. Algumas das reformas propostas por Chávez incluíam a estatização, pelo Congresso, de algumas empresas nacionais e estrangeiras. Ditadura... Mas quando Fernando Henrique, ao contrário, transformou o Sistema Telebrás, as siderúrgicas, a Embratel e a Vale, de estatais em empresas privadas, ou quando incentivou a venda de bancos nacionais a estrangeiros, sem referendo nem nada, apenas com sua maioria congressual, tivemos o quê? Democracia...

9. Chávez - este é o ponto mais atacado - propôs a reeleição do presidente sem limite de mandatos.
É assim na democracia francesa, onde o sistema funciona como presidencialismo ou parlamentarismo, conforme o presidente e o primeiro-ministro sejam do mesmo partido ou não.

É assim no parlamentarismo inglês, no português (que é um tanto afrancesado),no italiano etc. Dizem: mas há diferenças! Sim, uma delas que chefe do Executivo inglês é eleito pelo Parlamento, ao passo que o do Brasil e o da Venezuela são eleitos pelo povo. Outro que Brasil e Venezuela não tem nada tão anacrônico quanto um rei, vitalício, hereditário, dispendioso e inútil.

10. E por que haveria de ser igual? É como diz o advogado e colunista eletrônico Castagna Maia: por que não convocar um plebiscito nos EUA para saber se os ianques devem ou não sair do Iraque ou fechar o campo de concentração de Guantánamo?

Ou isso transformaria a plutocracia estadunidense numa ditadura?

Walter Rodrigues
http://www.walter-rodrigues.jor.br/