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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Assim não dá

Óleo de fígado de bacalhauAndamos para aqui a defender o sistema nacional de saúde e os profissionais da coisa, que teoricamente também o defendem, embarcam na tramóia de demonstrar que ele não interessa.

Quem passou, como acompanhante, pelas urgências de Santa Maria na passada 6º feira teve a oportunidade de observar que, nas 12 horas em que aguardou que fosse feito um diagnóstico e prestada assistência a um “paciente” (não podia ser usada palavra mais própria), a roda livre, a irresponsabilidade e a desumanidade do nosso SNS funciona em benefício daqueles que o querem abater. Sabe-se que os enfermeiros são mal pagos e que isso os desmotiva. Sabe-se que há falta de pessoal para que o tempo seja interminável e o desespero se vire contra o serviço público. Sabe-se que os médicos portugueses abandonam os SNS porque vão ao privado buscar aquilo que o SNS não lhes fornece. Sabe-se que há médicos estrangeiros (a substituir os portugueses) que pouco percebem de português e mal entendem o que os “pacientes” lhes tentam transmitir. Sabe-se tudo isso e o muito mais do que é feito para que a marca de ineficiência e ineficácia do SNS se transforme num argumento.

A técnica é simples. Perante isto, quem tem posses não tem de ser “paciente” porque vai ao privado, quem as não tem (ou tem de recorrer ao SNS em urgência médica), tem de ser “paciente”, porque a paciência é uma das virtudes e há-de prevalecer a noção de que o SNS não é um direito de quem o paga mas sim um acto de caridade desassociado de humanidade e de respeito pelo sofrimento.

Não irei relatar tudo o que se passou numa das principais urgências deste país na passada 6º feira, porque não quero ajudar a propagar a ideia do mau SNS que temos e ressalvo alguns poucos casos de excepção ao mau serviço, mas não posso deixar de referir três ou quatro coisas inaceitáveis:

Um “paciente” entrou pela mão do INEM na urgência depois de ter sido socorrido de uma baixa de açúcares (desculpem os termos mas não sou um profissional de saúde e relato isto sem pretensão de sabedoria) e esse facto constava do relatório entregue na admissão na urgência. O “paciente” ficou abandonado numa maca sem qualquer assistência até que o acompanhante, ao fim de quatro horas detectou estar a voltar o estado que originou a chamada para o INEM. Só a partir desse alerta, feito a custo pelo leigo aos técnicos da urgência, é que foi iniciada alguma assistência.

Um médico que mal falava português fez questões que, nitidamente, para nada serviam porque não entendeu as respostas, e mandou o “paciente” executar determinados exames. Terminado o processo de “empurra maca de porta em porta” com esperas inaceitáveis antes de entrar (a esta hora os corredores estavam vazios não se justificando as esperas intermináveis), lá se regressou à sala das urgências.

Um segundo médico que observou os exames, uma horas depois, mandou fazer novos exames dizendo que era a primeira vez que via o “paciente” e que entendia que havia exames diferentes a serem feitos. Remeteu o “paciente” para um serviço de especialidade onde não havia ninguém nessa noite (ninguém, quer dizer, nem doentes nem profissionais de saúde) provocando uma espera inútil e interminável de que nada resultou.

Saltando por cima de outras coisas inarráveis, porque pouco adianta continuar, termino com a revelação de que numa próxima (espero que não volte a acontecer) visita às urgências de Santa Maria farei acompanhar-me do meu portátil para relatar, a cada meia hora (dava para 24 Post), o que se passar.

Os projectos do actual poder passam pela morte dos serviços públicos. Se forem só os utentes, “pacientes”, ou como lhes quiserem chamar, a pugnar por eles e os profissionais que estão envolvidos se alhearem, a morte anunciada desses serviços públicos não poderá ser evitada.

Os portugueses nunca defenderão os seus direitos se não lhes reconhecerem utilidade.

Tal como já hoje acontece com a política em que o alheamento da generalidade dos cidadãos é consequência de má qualidade, também os cidadãos nada farão para evitar a extinção de maus serviços, mesmo sabendo que eles são maus para justificar essa mesma extinção.
LNT
[0.390/2012]